
Desde a infância eu venho cuidando do outro. Estar ao lado das pessoas sempre foi algo valioso pra mim, um valor importante e vital. Ao longo do tempo, essa forma de cuidado foi mudando e tomando forma. Das bonecas da infância me voltei, durante a vida adulta, para os familiares, os amigos, os filhos e meus pacientes. Quando criança, eu era muito inquieta e dispersa. Era curiosa e me interessava por tudo, mas não conseguia manter minha atenção em alguma atividade específica por muito tempo - características que para os antroposóficos indicam um temperamento sanguíneo (no meu caso, em excesso!). Foi uma pneumonia, que me colocou por dois meses de cama, que mudou minha vida significativamente. Com a minha sanguinidade em repouso e o isolamento da enfermidade, me percebi desejando cuidar das pessoas como médica. E assim, por volta dos 13 anos de idade, tomei consciência sobre a importância do cuidado e o valor à vida.
Em casa, com toda família envolvida pela Antroposofia, tive o privilégio de ter minha formação escolar inteiramente dentro da Pedagogia Waldorf, do jardim até o terceiro colegial (como se dizia na época). Nossa grade curricular incluía um trabalho específico de conclusão do ensino médio e voltei minha pesquisa para a área da saúde, tratando sobre a relação vital entre mãe e filho, durante a gestação, parto e pós-parto, assuntos estes que me fascinavam. Inclusive, participei de atendimentos com a parteira antroposófica Angela Gehrke, na Comunidade Monte Azul, em São Paulo.
Aos 18, exaurida da rotina de estudos e da pressão para ser aprovada no sonhado curso de Medicina, entrei em crise, abandonei o sonho e decidi fazer vestibular para Nutrição; passei, cursei um ano e percebi que a futura profissão não preencheria minha alma.
E assim, decidi passar uma temporada na terra de origem dos meus antepassados e fui morar na Alemanha. Por volta dos 20 anos morei em um seminário com jovens do mundo inteiro, na cidade de Stuttgart. Nessa república, toda convivência e aulas tinham conteúdo antroposóficos. Antes de retornar ao Brasil, tive a oportunidade de fazer um estágio no setor pós-parto de um hospital antroposófico na cidade de Filderstadt. Esta experiência me mostrou a essência de quem cuida verdadeiramente do paciente.
Ao retornar para o Brasil, me dediquei à faculdade de Enfermagem. Mas, então, eis que a vida me surpreende, mais uma vez. Eu, estudando para ser enfermeira descobri que tinha aversão a sangue; percebia aos poucos que o meu interesse em cuidar do outro estava voltado mais ao acompanhamento emocional e psicológico do paciente, e menos a paradas cardíacas e intervenções cirúrgicas. Constatava a cada experiência o poder do diálogo, da escuta, da troca - e a consequente melhora que se dava em cada caso. Comecei a ganhar espaço profissional: fui reconhecida e fui me reconhecendo nesse trabalho.
Com apenas 25 anos assumi, na extinta Clínica Artemísia, a coordenação dos tratamentos terapêuticos. O local era um centro de cuidados da alma, de desenvolvimento humano, com serviços de formação em terapias e atendimento a pacientes. Localizado perto de Paralheiros, na zona sul de São Paulo, a Artemísia era conhecida como um lugar abençoado pela natureza, que muitos procuravam tanto para realizar trabalhos de imersão terapêutica de biográfico, quanto para fazer o de formação de aconselhadores biográficos. Quando completei 28 anos, a Artemísia fechou e assim, meu caminho se alterou novamente.
De volta ao mercado de trabalho, encontrei uma oportunidade em um espaço de prática mais tradicional. Integrei uma equipe de imunologia que tratava pacientes oncológicos, na Vila Nova Conceição em São Paulo. Atuei nesse área por cinco anos, nos quais a morte se fez muito presente. Foi durante esse período da minha vida que entrei na última turma do curso de formação em Aconselhamento Biográfico que seria conduzido pela Dra Gudrun Burkhard, percursora dessa terapêutica no Brasil e, também, minha avó. Os quatro anos de formação foram intensos e marcaram definitivamente o legado que eu precisava seguir.
Em 2012, aos 33 anos, a maternidade chegou na minha vida. Engravidei da Laila, minha primogênita, e entrei na vivência do puerpério por 2 anos. Nessa época também mudei para Santos, litoral de São Paulo por conta do trabalho do meu companheiro. Foi neste período que percebi que não fazia mais sentido eu trabalhar com a finitude, a minha energia agora era trabalhar com a vida. E o ciclo se fechou.
Em 2014 reformulei meu trabalho como terapeuta em grupos de biográfico e abri meu próprio espaço. Assim, finalmente, minha trajetória chega no meu propósito de vida. Com a Pandemia, onde todos tivemos que nos reinventar e adaptar, trouxe o trabalho biográfico para o virtual e tive uma bela surpresa: que mesmo com o distanciamento das telas pudemos ter empatia, entrega e amor.


Nossa biografia é tal qual um rio que pode fazer vários percursos, escolhendo o terreno por onde poderá melhor fluir. Aos poucos, vamos percebendo sermos nós que vamos construindo nosso próprio destino.
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